Força Nacional chega para atuar em reservas indígenas após conflito
PMs de outros Estados, vão patrulhar a terra indígena da Serrinha, entre os municípios de Ronda Alta e Engenho Velho, e, depois, se deslocar para a Guarita, entre Tenente Portela e Redentora
Publicado em 19 de outubro de 2021
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Militares da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) chegaram nesta segunda-feira, 18, ao Rio Grande do Sul para atuar em duas reservas caingangues conflagradas, no norte gaúcho. Dois contingentes da tropa, formados por PMs de outros Estados, vão patrulhar a terra indígena da Serrinha (entre os municípios de Ronda Alta e Engenho Velho) e, depois, se deslocar para a Guarita (maior área indígena gaúcha, situada entre os municípios de Tenente Portela e Redentora).

O primeiro lugar e mais problemático é a Serrinha, onde uma desavença entre os caingangues resultou em assassinatos, cárcere privado, espancamentos e incêndios  criminosos na semana passada. Segundo informações, a briga opõe seguidores do cacique Márcio Claudino e parentes distantes dele, que consideram a liderança dele ilegítima. 

Na última quinta-feira, 14, Claudino expulsou da reserva oito famílias ligada a seus adversários. Cinco pessoas ficaram presas numa cadeia indígena e disseram terem sido violentamente espancadas. O cacique admite as prisões, mas nega as agressões. Na raiz do problema estaria, além do controle da tribo, os arrendamentos de terra e o dinheiro proveniente deles.

Dois dias depois, no sábado, 16, a caminhonete onde Claudino e três de seus comandados transitava foi alvo de uma emboscada perto de uma lavoura de trigo, em Engenho Velho.  A Hilux foi atingida por 27 tiros, mas todos escaparam sem ferimentos. Enraivecidos, apoiadores do cacique foram atrás dos atiradores e mataram dois caingangues, supostamente os autores do atentado. Policiais encontraram os corpos dos dois homens numa plantação, ao lado de espingardas calibres 12 e 20 e bolsas com munição.

Os seguidores do cacique também colocaram fogo numa residência e em quatro carros pertencentes ao grupo opositor (dois Gol, um Santana e um Corolla antigos), que ficaram abandonados, ardendo em chamas, junto a um mato à beira da RS-324, que liga Passo Fundo a Ronda Alta.

O cacique não nega que foram seus apoiadores que dispararam contra os dois índios em fuga e colocaram fogo nos veículos:

— Esse pessoal do contra andava armado por aí, espalharam que iam me matar, aí fizeram essa emboscada... A minha gente ficou de sangue quente, foi atrás e eles morreram. Dizem que tem dois outros mortos, mas não encontramos.

A Polícia Federal (PF) também rastreia supostos feridos na emboscada, que podem estar abrigados em casas de parentes, hospitalizados ou mesmo mortos, ocultos nos trigais.

A reportagem conversou com duas líderes que são rivais de Claudino. Elas preferem manter anonimato. Garantem que seus familiares foram torturados na cadeia indígena e que os mortos pelos apoiadores do cacique nem sequer puderam ser sepultados na aldeia indígena. Foram levados para enterro em Ventarra, outra reserva.

— Não sabemos o que fazer agora. Estão tocando fogo nas nossas casas, atrás de nossos familiares. A gente apela para que a Polícia Federal garanta nosso retorno, pelo amor de Deus — diz uma dessas caingangue, que fugiu de Ronda Alta.

Por temor de novos confrontos, a Brigada Militar enviou efetivos do 38º BPM, armados com fuzis, que permanecem patrulhando toda a área indígena da Serrinha. Eles deverão ganhar apoio da Força Nacional de Segurança Pública, que deve enviar dois pelotões para a região.

Na raiz do problema na Serrinha está o arrendamento de terras, problema que atinge também a Guarita, na região da fronteira. Por lei, as áreas indígenas não podem ser alugadas, porque pertencem à União e devem ser de usufruto das tribos. Só que, premidos pela pobreza, muitos caingangues cedem as terras a agricultores brancos, que nelas plantam soja (nesta época), trigo (no inverno) e milho (em ambas as estações). É uma simbiose: os índios ganham dinheiro e os brancos conseguem alugar áreas para lavouras a um preço bem menor que o de mercado.

Só que o arrendamento é ilegal. Foi por esse motivo que a Justiça Federal requisitou tropas da Força Nacional de Segurança Pública para o Rio Grande do Sul. Elas devem escoltar fiscais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que irão percorrer a reserva da Guarita e verificar quais os brancos que arrendaram terras de índios (vão identificar máquinas, contratos, recibos e interrogar pessoas). 

A Polícia Federal formalizará os procedimentos. Só que tudo isso agora terá de aguardar. Os tiroteios tornaram a presença da tropa federal mais urgente na Serrinha, em Ronda Alta.

Fonte: *GZH Foto: Félix Zucco
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